LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

LIVE:

logo radio veneno vertical

SEARCH

OVERDOSE I: A House no Brasil pela visão do Mr. Groove

24 May 2021

Reportagem: Danila Moura

Se existe alguém com muita propriedade para falar de House no Brasil, com certeza essa pessoa é Oswaldo, do Sr Groove. Durante os anos 80 e 90, ele viajava para Nova Iorque em busca dos álbuns mais bombados de casa para vender na sua loja Discomania, outrora localizada na Galeria do Reggae, no centro de São Paulo. Sem internet, era muito difícil saber as novidades dos selos mais underground, que pegavam fogo nas pistas de Chicago e Nova Iorque. As listas de álbuns mais vendidos por grandes publicações de música, como a lista da Billboard, só levantavam discotecas do mainstream. O jeito único de saber era ir até lá e conferir ao vivo.Após se encantar pelo nova iorquino Sound Factory, ele resolveu fazer uma versão em São Paulo, após comprar um clube falido na Zona Leste paulistana. O espaço despontou novos artistas, como o consagrado DJ Marky.

Hoje (24/5), um Veneno transmite um set especial do Mr. Groove às 11h.

Confira o depoimento do mestre da House.


“Meu primeiro contato com a House foi através da Discomania, começou a chegar discos com esse BPM mais alto. Eu não estava entendendo muito. Mas era uma nova tendência que chegou aqui por volta de 1986/87.

Os DJs que mais compravam discos de House eram o Mauro Borges, Renato Lopes e o Marquinhos MS, tinham extremo bom gosto, eram os principais nomes da cena House iniciada um pouco antes dos anos 90. Os três eram os DJs mais segmentados na House. Aqui a turma misturava demais. Esses caras deram uma identidade maior para a House. Tinha muito DJ que era só ‘tocador de disco’, poucos tinham feeling  para fazer a pista e subir o ritmo na mesma pegada bonitinha como o Renato Lopes, ele era um desses. O Marquinhos Madame Satã  tinha um ouvido espetacular. O cara nivelava as frequências da música, ele tinha esse ouvido especial, mexia na equalização do mixer e tirava de uma botando em outra, as mixagens dele eram perfeitas. Ele discotecava muito. Tinha uma grande sensibilidade musical, nasceu com o dom, morreu jovem nos anos 90. Eu fui umas duas vezes na casa, só tinha disco, não sei como ele fazia para andar lá.  Ele morava na Consolação, era num predinho quase chegando na Paulista. Ele se frustrou um pouco comigo. O sonho dele era ser residente no Sound Factory, tocou duas vezes como convidado. Mas eu não consegui, não tinha jeito. Não dava para tirar nem o Marky nem o Julião, os caras mandavam na pista, né. Não se mexe em time que está ganhando.  

Dos três, só está vivo o Renato Lopes, que não mora mais no Brasil.  Ele veio se despedir da gente, gosto muito dele, tocou muitas vezes na Sound Factory. 

SOUND FACTORY DA ZL
Demorou um tempinho para eu conseguir organizar um set legal de House. Eu comecei a tocar esse tipo de som durante a abertura do Sound Factory, eu sempre abria as noites, então, posso dizer que comecei a fazer set de House a partir de 1992. Eu fazia abertura para o DJ Julião e o DJ Marky, eu tocava numa pegada House total das 23h até a 1h da manhã. Muitas pessoas se lembram disso. Eu comprei uma casa falida de um cliente da Discomania. Na época, a Toco, Overnight e a Contramão eram as mais bombadas, sobrava apenas o osso para mim. Tentei manter o estilo de som comercial da casa, mas vi que estava perdendo tempo. Rolou uma mudança radical em 1992, 1993, quando a House bombava nos EUA. Pensei: essa é a hora de levar esse som para o Brasil. Resolvi atrair todo tipo de público, como o LGBTQI+. Após uma reforma de quatro meses, troquei a cabine, iluminação e outras partes de lugar, assim surgiu o Sound Factory.

Demorou para o público entrar na onda da House. Por exemplo, o “Big Fun” do Inner City é um disco maravilhoso, um grande hit. Mas ele chegou muito na frente, simultâneo ao lançamento na gringa. Saiu na loja de lá, no outro dia, estava aqui. O álbum encalhou  por dois anos. No Brasil, o pessoal ainda não entendia essa parada [House]. Os brasileiros estavam numa pegada meio Boogie meio Disco, Pop, um freestyle. Após uns DJs começarem a tocar, pronto. Virou um hit.  Explodiu na rádio, aquele pianão maravilhoso e o Kevin Saunderson. A cena de House por aqui começou a pegar a partir de 88, 89, mais ou menos por aí. Aumentou a procura por discos de House porque os DJs viam a aceitação positiva da pista quando tocava, então, vinham atrás.

Outro vinil encalhado é o “French Kiss” do Lil Louis, tinha uma gemedeira no meio como se o cara tivesse transando com a mina, ficou encostado uns dois anos na loja.
Quando saiu em Nova Iorque, foi devastador quando tocava, era pista total até o teto. Os caras se matam de dançar era muito legal.  Eu pensei:  pô, isso vai pegar lá no Brasil. Mas não virava de jeito nenhum. O álbum só virou um hit quando tocou nos clubes gays de São Paulo, estourou, acabou o estoque.

 

EM BUSCA DO VINIL PERFEITO
Eu nunca fui para Chicago, visitei a Flórida, Miami, Filadélfia. Mas em Nova Iorque eu encontrava todos os discos, em três dias por lá eu conseguia resolver todas as necessidades da Discomania. Eu fazia esquema bate e volta, ficava em média uma semana. Distribuidora era melhor do que loja na minha situação, eu precisava de uma quantidade considerável. Quando o disco era bom, eu vendia algo entre 50 e 100 cópias. No final de 80 para o começo dos 90, ainda era difícil alguém usar CD. Nem todas as músicas dos discos famosos tocavam na rádio, despertava interesse, tinha que comprar o disco, vendia muito.  As distribuidoras Watts Music, Pearl, Memesis e Downtown 161 eram as que eu mais frequentava. A Garage House era muito forte em Nova Iorque, existiam selos como o Nervous e Speakly River.  A Downtown 161 era especializada em selos pequenos independentes, eu comprava quase tudo delas, duas sócias mulheres, e o preço era muito melhor em relação às lojas, onde eu comprava apenas em último caso. 

Eu comprava muito disco da Stricly Rhythm, principalmente, quando comecei o Sound Factory os artistas desse selo estavam bombando, como Real to Real, Louie Vega. Eu visitei o escritório da gravadora, desta forma, comprava direto deles. Era muito interessante vender 100 unidades de disco naquela época, por isso eu conseguia ter um tratamento VIP, eu era sempre informado em primeira mão. 


ROLÊS EM CLUBES ICÔNICOS
Eu visitava os clubes para eu ficar antenado, ver como as músicas aconteciam na pista. Tudo rolava primeiro lá, depois espalhava pelo mundo. Mesmo cansado, eu sempre ia na noite de quarta-feira do Louie Vega, eu me tornei fã. O cara tocava três ou quatro toca-discos ao mesmo tempo, tudo rodando junto, um era capela, outro instrumental um com Dub. Tá louco! O cara fazia o remix la ao vivo de forma delirante. Naquela época você tinha que ir ao clube para ver o que estava pegando na pista, era o único jeito. As listas das paradas das revistas americanas não eram parâmetro [ música do mainstream]. Na pista, com um bom soundsystem, o calor da galera. Era assim que você sentia o exato poder da música.Bomba muito Crystal Waters, Gipsy Woman, DJ Nick  e galera daquele selo Nervous.

Eu conheci o Mars, um clube de House com três andares. O primeiro e o segundo tocavam House e Disco, especificamente.  O último  tinha um ambiente ao ar livre ao som de Reggae misturado com Hip Hop. Muito legal.

Visitei a Tunnel  em noites com Todd Terry e o  Junior Vasquez.  Mas a minha maior inspiração foi visitar o Sound Factory, onde eu vi Louie Vega, Snake, Josh Wink. O David Morales era residente de uma casa chamada Red Zone, toda vermelha, eu conheci também.

Uma vez estava na fila da Red Zone e chegou uma limousine preta, jogaram tapete vermelho. Era  a Cantora Cher entrando no clube com vários bofes dela. Depois, eu a vi dançando e se divertindo no meio da galera, todo mundo batendo palma pra ela, foi muito engraçado. A frente dessa boate era muito louca, cheia de luzinhas vermelhas, o soundsystem era de primeira, o David Morales mandava brasa lá.



No Sound Factory eu vi o Frankie Knuckles. Todos os DJs se encontravam às quartas no Sound Factory na residência do Louie Vega, dia em que todos estavam na cidade, a maioria das gigs era no final de semana. Você cruzava com todos os famosos da época curtindo na pista, como Kenny Dope, Master of Work e outros. A pesquisa do Louie Vega era muito foda, por isso o DJs também frequentavam. Antigamente, não existia a facilidade da internet. Hoje, você senta na frente do computador e fica sabendo de todas as novidades. Você tinha que frequentar a noite, as lojas, ficar antenado nos lançamentos, era muito bacana.

O Sound Factory mantinha duas casas em Nova Iorque, uma era menor em formato bar, onde o Louie Vega fazia residência. O clube era em um cinema desativado enorme, com capacidade para três mil pessoas, eu vi o Junior Vasques tocando muitas vezes lá.

Lembro de quando vi Armand Van Helden no clube famoso por ter aparecido no filme “Beat Street”, visitei sem saber que era o mesmo local. Não tinha placa, Lá dentro eu fui avisado. Daí eu reconheci o chão de madeira e lembrei da cena em que os caras dançavam ali .



PONTE COM DJS INTERNACIONAIS
Por causa da loja, consegui contatos no exterior. Eu trouxe muitos artistas internacionais para tocar pela primeira vez no Brasil. O Louie Vega, por exemplo, nunca tinha vindo aqui e ficou morrendo de medo, tivemos que comprar mais uma passagem para um acompanhante. Saíam muitas matérias sobre a violência no Rio de Janeiro e as festas de funk  nas favelas. O cara quase desistiu na última hora. Mas ao chegar aqui ele ficou deslumbrado, queria que fôssemos com ele para a Amazônia, dizia que pagava a passagem. Mas não rolou tempo hábil para isso. Ele pirou no churrasco brasileiro.

Estourado no meio da playboyzada, o Eric Morillo também veio pela primeira vez ao país por minha conta, consegui uma parceria com um clube no Rio de Janeiro, desta forma facilitava a negociação. Eu fazia no Rio todas as sextas, e, aos sábados e domingos, aqui em São Paulo no Sound Factory. O cara gostou demais do Rio de Janeiro, fanfarrão, adorava uma bagunça com a mulherada, até voltou para lá depois de tocar em São Paulo para ver uma garota. 

Trouxemos o Josh Wink, um cara mais sério e tranquilo. O Armand Van Helden veio também por nossa conta. Laurent Garnier tocou pela primeira vez aqui no Sound Factory por causa do Mau Mau. Ele tinha fechado uma agenda com outro empresário, mas o cara cancelou na última hora, já tinha até contrato assinado. Então ele conversou comigo e fizemos no Sound Factory. Não era necessário muito tempo de divulgação para encher a noite, em três dias era suficiente, pois o clube tinha um programa bombado na rádio Metropolitana FM, por volta de 1993 a 1995. Eu tocava mais House, o Marky preferia Jungle e Drum and Bass e o Julião era Techno. O programa se chamava ‘Sound Factory the Best Party in São Paulo’. 

Do meu gosto pessoal, eu curto  Masters to work., curto as produções do Pey Nigro. Atualmente, eu ouço muito o Los Charly’s Orchestra, um colombiano e um venezuelano que vivem na Inglaterra, fazem uma mistura de House e Disco muito boa. Também piro em Dj Sneak , Ian Pooley, Eric Cooper… Curto algumas coisas do Todd Terry , ele é famosíssimo em NY. Gosto de Tee Scott, Kool Herk, que já misturava com Hip Hop. É uma galera da pesada, são muitos, não consigo lembrar de todos”.

RAIO – X

“French Kiss” do Lil Louies
Em 1989, a faixa French Kiss se tornou um sucesso nos charts europeus e norte-americanos. A música também fez sucesso em clubes de todo o mundo e passou duas semanas no primeiro lugar na Billboard dos EUA. Dance Club Songs chart em outubro de 1989. Também foi um hit pop mainstream no Reino Unido, onde alcançou a segunda posição em agosto de 1989.Originalmente uma música instrumental (além de gemidos sem palavras), os vocais foram gravados depois que a música foi escolhida para distribuição por grandes gravadoras. Nos Estados Unidos, os vocais principais da faixa foram executados pelo cantor americano Shawn Christopher e na Europa os vocais foram executados por uma mulher conhecida apenas como “Pasquale”.

“Big Fun” do Inner City
A história da música eletrônica nunca mais foi a mesma depois deste lançamento em 1988. Por causa deste hit, a house saiu dos porões do underground e tomou conta das rádios FM pop do mundo inteiro. A vocalista Paris Gray cantava desde criança em grupos da escola e nos corais da igreja, nos anos 80, ela trabalhava em uma loja de discos em Chicago. Na época, um amigo em comum avisou que Kevin Saunderson procurava por uma cantora para um projeto. Ela ficou interessada, ligou para Kevin e ele enviou pelos correios uma fitinha, e lá estava “Big Fun”. Dias depois, ela viajou para Detroit, chegou na casa de Kevin e lá estavam seus amigos Juan Atkins e Derrick May, juntos, o trio é conhecido como os criadores do Techno, apelidados de “Belleville Three”. Na escola, eles ficaram amigos pois eram os poucos alunos negros e Kevin ficou curioso pelas baterias eletrônicas que Juan uma vez levou na escola para ele conhecer. Paris Gray e Kevin Saunderson fizeram um sucesso estrondoso com ‘Big Fun”, que ficou uma semana inteira como a música mais ouvida nos Estados Unidos

Mars
Nos anos 80 e 90, o underground novaiorquinno era um reduto para gays, negros e  latinos. Nos arredores, começava o boom de usuários de crack nas ruas e o HIV foi responspavel por tirar a vida de milhares de jovens e artistas icônicos da época. Após entregar uma fitinha cassete nas mãos do gerente do clube, Moby caiu nas graças do proprietário que o chamou para tocar no Mars, um espaço com bar no térreo e uma pistinha fechada com jeito de inferninho no primeiro andar. Além de ter sido o primeiro clube onde Moby tocou como DJ, grandes MCs começaram a pegar o microfone e fazer seus primeiros improvisos no meio da pista, como Run-DMC, A Tribe Called Quest, Ultramagnetic MCs, 3rd Bass e Big Daddy Kane. House e hip hop eram os estilos que definiam as noites do Mars, considerado o clube com o público mais diversificado.

Galeria do Reggae
Vizinha da Galeria do Rock, ganhou o apelido de “Galeria do Reggae” por causa da profusão de lojas com artigos afro, como os salões de beleza especializados em tranças e os restaurantes de comida africana. Para os colecionadores de discos, o espaço é mais conhecido por manter lojas de vinis repletas de preciosidades, verdadeiros símbolo de resistência em meio ao mundo da música digital. É nesta galeria onde Oswaldo mantém a loja Mr Groove, empreendimento que é filho da saudosa Disco Mania. Curiosamente, a galeria foi projetada por dois renomados arquitetos italianos que faziam prédios de luxo, Ermanno Siffredi e Maria Bardelli. Mas a dupla entrou para a história pelas galerias. Eles projetaram a Galeria do Rock, a Galeria do Reggae, a Galeria da Sete de Abril e a Nova Barao.  Durante a inauguração, no começo dos anos 60, a galeria virou reduto de alfaiates e lojas de roupas. Porém, a abertura dos shopping centers no começo dos anos 70 fez os estabelecimentos saírem da galeria. Começa uma era de abandono, tanto a Galeria do Rock quanto a do Reggae começaram a ser invadidas por grupos de gangues, punks e ficaram sem movimentação. Porém, as lojas de discos ganharam força nos anos 80 e viram nas galerias um ótimo espaço para se fixarem, já que o público de punks e do hip hop já dominavam a região.

Imagens: Flyers de clubes novaiorquinos citados na entrevista.

OVERDOSE I: A House no Brasil pela visão do Mr. Groove